JULGAMENTO DE DESAPOSENTAÇÃO É ADIADO NOVAMENTE PELO STF
O voto do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, sobre a desaposentação surpreendeu a todos os que acompanhavam a discussão. O ministro, relator da matéria, foi o único a votar até agora. Ele propôs uma solução para o problema, mesmo reconhecendo que pode estar pisando em terreno do Congresso.
Logo depois do voto do ministro, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, declarou intervalo da sessão. Quando os ministros voltaram, o presidente decidiu suspendê-la, já que três ministros estão ausentes nesta quinta-feira (9/10). O julgamento começou na quarta e também foi adiado em seu primeiro dia.
A desaposentação é a possibilidade de o trabalhador, depois de aposentado pela primeira vez, voltar a trabalhar para se aposentar depois, com uma aposentadoria maior, com base na nova idade. A discussão que está no Supremo é se esse movimento pode ser feito ou não.
O caso teve repercussão geral reconhecida. De acordo com dados do INSS, a decisão a ser tomada pelo Supremo vai afetar 123 mil processos já ajuizados, que envolvem mais de um milhão de pessoas. Isso resultaria, em 20 anos, num impacto de R$ 69 bilhões aos cofres federais, ainda segundo o INSS.
Os segurados afirmam que, assim como o Estado não pode obrigar ninguém a aposentar, não pode proibir alguém de se desaposentar. O INSS, autarquia federal responsável pela previdência social, afirma que desistir da aposentadoria viola ato jurídico perfeito e permiti-lo seria transformar a aposentadoria por tempo de serviço em algo facultativo, causando distorções ao sistema.
Sistema solidário
As teses da União foram defendidas em sustentações orais do advogado-geral da União, Luis Inácio Adams (foto), e pelo procurador-geral Federal, Marcelo Siqueira — o chefe das procuradorias autárquicas federais. Adams afirmou que, ao abrir mão da aposentadoria, o segurado abe mão do princípio da solidariedade entre os membros da sociedade. “Aquele que se aposentou mais cedo para acumular aposentadoria com salário não pode agora quebrar a lógica do sistema”, disse.
Depois do voto do ministro, advogados e representantes da União disseram não esperar que o ministro "trafegasse por uma quarta via" em seu voto. A expectativa era que subscrevesse a uma das três teses hoje em discussão na Justiça: permitir a desaposentação sem a devolução da aposentadoria recebida antes de voltar ao trabalho, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça; permitir com a devolução dos valores; ou não permitir a desaposentação.
"Quarta via"
O que Barroso propôs foi uma quarta alternativa, que considerou “a mais justa”. Em seu longo voto, propôs que a desaposentação fosse permitida, sem a devolução dos valores recebidos, mas, no momento do cálculo do fator previdenciário, devem ser levados em conta a idade e o salário da data da primeira aposentadoria.
Barroso (foto) explicou que o sistema da Previdência se baseia em duas premissas: é um sistema contributivo e solidário. Isso porque todos são obrigados a contribuir ao sistema, mas a divisão do dinheiro no pagamento dos benefícios não é feita de acordo com o que cada um contribuiu. Não é um sistema capitalista, explicou o ministro.
Ao mesmo tempo, continuou, o Judiciário não poderia proibir uma conduta sem que a lei o faça. Portanto, a desaposentação, no entendimento do relator, deve ser permitida. E permitir que se volte a trabalhar obrigando a restituição das aposentadorias recebidas seria o mesmo que não permitir. “Não pode haver um sistema que obriga o trabalhador a contribuir sem benefícios.”
Nova conta
O que o ministro trouxe de novidade em seu voto foi a questão do cálculo da nova aposentadoria. O fator previdenciário envolve quatro fatores: tempo de contribuição, alíquota da contribuição, idade da aposentadoria e expectativa de vida do trabalhador quando do momento do pedido de aposentadoria.
A proposta do ministro é que, na segunda aposentadoria, o cálculo do fator previdenciário considere a idade e a expectativa de vida levadas em conta na data do primeiro pedido de aposentadoria. Isso evitaria que os valores entre uma data e outra aumentasse demais.
Segundo Barroso, que convocou especialistas em ciências atuariais para ajudá-lo a fazer o voto, com esse sistema, a segunda aposentadoria aumentará a em média 24,7% em relação à primeira.
No Congresso
Ele reconheceu que essa discussão deve ser feita pelo Congresso Nacional. Disse em seu voto que a Câmara dos Deputados chegou a discutir um projeto de lei sobre desaposentação (PL 2.687/2007), mas ele foi rejeitado pela Comissão de Finanças da Casa, depois de parecer do deputado federal Zeca Dirceu (PT-SP).
“Entendo que a ordem jurídica infraconstitucional não tratou desse tema. O Legislativo hoje pode vir a negar a desaposentação ou permitir. Só não pode manter a contribuição sem dar o benefício”, afirmou. Barroso explicou que fez uma “interpretação teleológica” da Constituição Federal e das leis que tratam do assunto, mas reconheceu que seu voto “é por certo inovador”.
O relator também propôs que a decisão só passe a valer 180 dias depois da publicação do acórdão. É o tempo que considerou justo para o INSS e a União se organizarem, operacional e financeiramente, e para “prestigiar na maior medida a liberdade da conformação do Legislativo”.
10 de outubro de 2014 Voltar